“Nem sempre as pessoas me entendem. Poucos conseguem realmente saber o que é a inclusão. Para mim, ter uma tecnologia que permite ler diferentes livros por transformar as palavras em áudio me trouxe mais confiança, segurança e independência”.
O depoimento é da estudante Kayenne Alves, de 16 anos, moradora de Cuiabá, Mato Grosso. Com deficiência visual desde que nasceu, a aluna do Instituto Federal de Mato Grosso (IFMT) recebeu da instituição algo que, segundo ela, a fez avançar nos estudos desde abril: o dispositivo com inteligência artificial chamado Orcam MyEye.
Ele pesa apenas 22 gramas, é do tamanho de um dedo e se conecta a todo tipo de armação de óculos. A tecnologia foi criada em Israel em 2015 e é capaz de transformar textos de livros ou de qualquer superfície, como um cardápio, em voz alta e sem necessitar de conexão à internet.
Basta apontar o dedo onde quer que se faça a leitura. O sensor óptico captura a imagem e através da inteligência artificial converte as informações instantaneamente em áudio por meio de um pequeno alto-falante localizado acima do ouvido.
No Brasil, o dispositivo chegou pela empresa Mais Autonomia, que é do ramo de tecnologia assistiva, em 2018. Segundo o diretor Doron Sadka, ele o conheceu quando viajou para Israel e decidiu importá-lo com o sistema adaptado em três idiomas: português, inglês e espanhol.
Além da Kayenne, outros estudantes cegos ou com baixa visão receberam esse tipo de tecnologia em escolas estaduais, municipais e universidades privadas ou públicas entre o ano passado e este ano, como nos estados de Minas Gerais, Goiás, Rio Grande do Sul, Paraná, Santa Catarina, São Paulo e Amazonas.
Os alunos podem ficar com os óculos até encerrarem o curso da unidade de ensino, como o ensino fundamental e ensino médio — no caso das escolas municipais e estaduais — e o superior.
Em São Paulo, além das instituições, foramcolocados 54 óculos no sistema de bibliotecas, um no Centro Cultural São Paulo e dois na Biblioteca Mario de Andrade.
Mas por ser importada e de alto custo — cerca de R$ 14 mil cada —, a tecnologia ainda não é acessível para todos com deficiência visual no Brasil.
A empresa estima que estudantes e trabalhadores tiveram contato com o dispositivo em 800 cidades. Porém, o número não chega nem perto dos 35,7 milhões de brasileiros com deficiência visual, segundo o último censo feito pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), de 2010.
E como essa tecnologia israelense pode ajudar os estudantes brasileiros cegos ou com baixa visão? O que muda na rotina? O g1 conversou com alunos que tiveram contato com os “óculos falantes”.
Tiago Ferreira Porto tem baixa visão grave desde que nasceu. Morador de São Paulo, o adolescente de 16 anos conta que ler nunca foi algo prazeroso na infância, já que colocava o livro próximo ao rosto para poder enxergar.
Mas há quatro anos a atividade se tornou uma paixão. Ao ir até a biblioteca municipal Affonso Taunay, no bairro Mooca, ele foi informado que havia chegado uma tecnologia que o ajudaria na leitura: os óculos Orcam MyEye.