Profissões que absorvem o impacto da tecnologia e exigem um maior entendimento das ferramentas digitais disponíveis são tendência no presente e também no futuro do trabalho, apontam especialistas. Eles ainda destacam que grandes áreas de atividades mais tradicionais não vão desaparecer, mas passarão por transformações cada vez mais rápidas. Especialista em carreira, Rafael Souto, que é CEO da Produtive Carreira e Conexões com o Mercado, uma das maiores consultorias de outplacement do Brasil, explica que as profissões do futuro também estão ligadas ao eixo de transformação das atividades existentes dentro de cada área.
— O profissional de Ciências Contábeis é um exemplo. Olhando alguns anos atrás, ele era o guarda-livros. Para esse profissional, o mercado, provavelmente, não existirá mais. Mas ele mesmo, se avaliar a transformação da área e conseguir se transformar num controller (profissional que garante a execução dos recursos da empresa da forma mais rentável possível), estará numa área que só cresce — comenta.
Souto sugere aos estudantes e profissionais de atividades mais tradicionais, como direito, contabilidade, vendas, marketing e jornalismo, que mantenham o olhar atento ao “gap de oportunidades”, às “zonas de transformação” da área profissional.
— Só os curiosos vencerão. É preciso estar explorando, aprendendo e reaprendendo as suas atividades. Quando olhamos o ciclo da carreira no passado havia a fase de estudar, trabalhar e se aposentar. Hoje, o ciclo mudou: é preciso continuar estudando a vida toda porque as atividades vão se transformando com velocidade. Para se manter competitivo e evitar o efeito “Kodak de obsolescência”, o profissional precisa olhar as zonas de transformação das suas atividades — alerta Souto.
Mesmo pensamento tem o professor Cláudio Mazzilli, da Escola de Administração da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).
— Não existe mais a pessoa que fez uma especialização e viverá disso, recusando mais aprendizagem. O que vemos hoje são profissionais que precisam entender de análise de dados, de finanças, de contabilidade e de recursos humanos. Mas o salário seguirá sendo o de uma única pessoa. E ainda não terá o vínculo formal e a pessoa vai realizar trabalhos por projetos eventuais — reforça Mazzilli, destacando as novas modalidades de vínculo empregatício, que estão distantes da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT).
Para a professora, pesquisadora e coordenadora do grupo de estudos em Desenvolvimento de Carreira da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), Manoela Ziebell, que também é vice-presidente da Associação Brasileira de Orientação Profissional (ABOP), a pandemia de coronavírus antecipou e intensificou as transformações no mercado de trabalho. E o avanço da tecnologia ganhou mais força por conta do distanciamento social e, consequentemente, do trabalho remoto.
No olhar da pesquisadora, algumas profissões precisaram se transformar para acompanhar o movimento de urgência de mudança da tecnologia. Os comércios e serviços físicos que migraram para o mundo online e decidiram não retornar mais ao atendimento presencial são exemplo disso. Para atender estes profissionais em distanciamento, vieram para ficar startups de aplicativos relacionados ao transporte, à alimentação e saúde mental porque as pessoas começaram a apresentar estas necessidades com a conveniência de não ir ao presencial.
— O próprio setor de educação mudou. Se antes a gente questionava a qualidade do ensino remoto, hoje sabemos que é possível ter oferta de cursos e formação continuada online, alguns com muita qualidade — ressalta Manoela.
A pesquisadora vê como tendência o mercado buscando profissionais mais pelas competências do que pelos títulos alcançados na graduação e na pós-graduação.
Na esfera das novas profissões, Manoela vê um mercado mais fluído, onde as novas profissões integrarão conhecimentos de diferentes áreas para solucionar problemas mais complexos. O especialista em carreira Rafael Souto concorda.
— Não temos mais que falar em profissões ou atividades estanques numa caixinha, mas em fluidez e potencial de contribuição. As habilidades mais poderosas no futuro, as powers skills, não estarão ligadas ao conhecimento técnico, mas à capacidade do indivíduo de aprender, se adaptar, ler cenários e ter esta possibilidade de circular mais dentro da organização. Ou seja, a carreira no futuro será menos linear, com organograma clássico, e mais funcionando como nuvem. Onde estamos num projeto, num squad, num hub contribuindo para uma demanda importante do negócio e algo que faça sentido para a própria carreira — resume Souto.
Em seu Guia Salarial 2022, a Robert Half, uma das maiores consultorias de recrutamento especializado no mundo, mapeou as principais carreiras do futuro e que já são tendência no presente nas áreas de Tecnologia, Engenharia, Recursos Humanos e Vendas e Marketing.
Segundo o gerente da Robert Half, Alexandre Mendonça, a pandemia acelerou a transformação das profissões no mercado e nas contratações.
Algumas profissões que eram previstas mais à frente, destaca Mendonça, foram antecipadas por necessidades das empresas, como o especialista em Machine Learning, profissional que tem como função desenvolver cálculos, simular cenários de decisão e avaliar periodicamente os resultados gerados por esses sistemas. Outras profissões se tornaram ainda mais importantes, acrescenta o gerente, como engenheiro de inovação e engenheiro de dados, que eram funções muito específicas para determinados projetos e que começaram a ser buscadas de forma geral.
— Hoje, as empresas têm um tripé muito forte: pessoas, processos e tecnologia. E os profissionais que precisam menos de gestão estão sendo os mais buscados. Não cabe mais o profissional que precisa ser demandado. A procura é pelo profissional pró-ativo e propositivo até porque a tendência é ir para um sistema híbrido. Por isso, profissionais mais autônomos e com autogestão mais forte são os mais demandados no mercado.
Mendonça completa dizendo que cada profissão continuará tendo suas particularidades, mas saber inglês fluente e ter habilidades tecnológicas farão a diferença na hora da contratação. Além disso, ele alerta para uma tendência que já está se tornando comum nas seleções das maiores empresas:
— Estamos num momento importante onde está se falando mais sobre diversidade e inclusão. Por isso, as skills (habilidades) que estão mais importando são a qualidade do profissional na hora da entrega e a relação que ele tem com a cultura e os valores da empresa.
O arquiteto de soluções Daniel Chassot Mentz, 44 anos, de Porto Alegre, não chegou a concluir a faculdade de análise de sistemas, no começo da carreira. Mas isso não significou uma estagnação na profissão. Para se manter atualizado na área da tecnologia da informação, Mentz participa anualmente de cinco a 10 cursos especializados e de duas a cinco certificações (realizadas com testes). Ou seja, jamais parou de estudar.
— A TI é muito dinâmica. Na área de tecnologia, tudo muda a cada semana. Tem que estar sempre se atualizando. A sopa de letrinhas não acaba. Gosto de desafios e eles são diários nesta área — revela.
Mentz iniciou como analista de pré-vendas, uma função menos ampla e com entrega mais restrita, sem imaginar que chegaria a uma das profissões apontadas como tendência. Por atuar numa empresa de tecnologia, precisou buscar as certificações repassadas por grandes fabricantes, como Microsoft, Dell e outras. Com o tempo, passou a desenhar projetos mais complexos voltados também à segurança da informação.
Para Mentz, que hoje atua em home office 95% do tempo de trabalho, o bom profissional é aquele que tem interesse em evoluir, em aprender e ensinar diariamente, trocando experiência com os colegas.
FONTE: GZH